Situação da antiga Estação Ferroviária bauruense, onde acontecem os ensaios, impõe desafios diários e dificulta o desenvolvimento dos músicos
A peça ensaiada é uma das composições mais conhecidas do músico russo Tchaikovsky, o tradicional ballet Quebra Nozes, e seria exibida em alguns dias junto à Escola de Dança Sigma, também da cidade de Bauru, encerrando a temporada de apresentações de 2017. Várias e várias vezes o mesmo trecho é retomado, até que cada nota, de cada instrumento, seja tocada de modo correto e sincronizado. Leigos que assistissem à Orquestra Sinfônica Municipal de Bauru durante o ensaio pensariam que estava tudo perfeito, mas para o maestro Paulo Gomes, de 44 anos, ainda havia oportunidades de melhora.

A exigência de Paulo tem um bom motivo: ele comanda a Orquestra desde a sua fundação, há 13 anos e, junto dos professores, se empenha para que os músicos alcancem o máximo de seu potencial. Os concertos, inclusive, não são o principal foco da Orquestra — que atualmente conta com 65 jovens — e sim a formação musical. Por isso, o maestro deixa claro que o maior desafio para alguém que faça parte do grupo é ter disciplina: “A música requer isso. Todos os dias, uma rotina de estudos do instrumento, repetindo os mesmos exercícios. Geralmente, o aluno que é disciplinado vai ter sucesso no instrumento que executar. Ele até pode conseguir tocar pelo talento, mas só talento não resolve”, declara.
Em uma era em que somos bombardeados por tecnologias, redes sociais e diversas formas de entretenimento, uma das missões da Orquestra é fazer com que seus jovens criem apreço pela obra erudita: “Quando você vem com algo diferente, há um conflito muito grande para conseguir com que eles tenham o hábito de apreciar esse tipo de música. A nossa ideia, nesse sentido, é expandir o que eles podem ouvir”, explica Paulo. Por isso, o repertório vai além de composições clássicas e inclui versões orquestradas de pop, temas de séries, filmes e até mesmo videogames.

Mas conquistar o repertório dos alunos não é o único desafio da Orquestra Sinfônica Municipal de Bauru: uma instituição pública com foco em formação musical, integrada por jovens e, portanto, com baixo investimento. E foi em março de 2017 que ela encarou seu maior obstáculo. Desde 2004, os ensaios eram feitos no Automóvel Clube de Bauru, belo e imponente prédio no centro do município, fundado em 1939. Segundo o Secretário da Cultura, Luiz Fonseca, foi encontrado um problema na estrutura jurídica do clube, o que impossibilitou a renovação do contrato de aluguel. O Automóvel Clube fechou as portas e o silêncio passou a fazer parte de seus aposentos.
A Orquestra Sinfônica, então, foi enviada para a antiga Estação Ferroviária, em condições que dificultam o desenvolvimento dos músicos. As salas são pequenas, não possuem circulação de ar ou ventiladores. Durante as chuvas, surgem goteiras e, muitas vezes, a solução é dispensar os alunos. Quando há manutenção nos vagões de trem, fumaça invade os ensaios. Alguns reparos no local são feitos por presidiários que, ao final dos trabalhos, tomam banho em um banheiro próximo, fazendo com que a luz das salas oscile. Ocorreram, ainda, transtornos com a presença de pessoas em situação de rua e dependentes químicos no espaço, e ainda que a incidência tenha diminuído, houve pais que preferiram tirar seus filhos do projeto. Não possuem, ao menos, uma linha telefônica disponível para entrar em contato.
Disciplina, dedicação e estudos, na opinião da violinista Letícia Fernandes, de 19 anos, passaram a ser fatores triviais no estudo do instrumento: “O maior desafio é o lugar. O Automóvel Clube era nossa casa. Queremos apenas salas de aula, um lugar seguro, para que as crianças tenham mais vontade de estudar. Sem estudo não há evolução. As crianças ficam desestimuladas”, desabafa. A contrabaixista e líder de naipe Giovanna Contador, de 22 anos, reconhece que a Estação Ferroviária é um ótimo espaço, mas que precisa de investimentos: “Olha o tamanho desse lugar. A estrutura física é maravilhosa. Se metade do dinheiro que era gasto com o aluguel do Automóvel Clube fosse usado aqui, já teríamos resolvido muitos problemas”, afirma.
Segundo Luiz Fonseca, outros lugares foram considerados para a instalação dos trabalhos da Orquestra, mas não eram adequados: “Precisamos de muito espaço e tem de ser próximo da área central, uma vez que muitos integrantes são crianças”. Já a Antiga Estação Ferroviária é patrimônio histórico tombado desde 2001, e sua estrutura não pode sofrer alterações. Assim, a reforma necessária para sanar esses problemas envolveria investimentos que a Secretaria da Cultura não possui no momento, conforme explica Fonseca. Porém, outras alternativas têm sido estudadas: “A Secretaria tem buscado formas de fomento com parceiros, mas apesar da Banda e da Orquestra Municipal serem marcas de sucesso, o apoio ao artista é muito complicado. Mas estamos lutando para isso, para conseguir oferecer a estrutura adequada”.

Apesar dos obstáculos, estes artistas seguem firmes na busca de seus sonhos e no compromisso com a música e a cultura. Reunidos e alinhados, maestro e músicos movimentavam seus braços, arcos e demais instrumentos como um único órgão vivo, tamanha a sincronia e excelência. Em destaque e à frente deles todo o tempo, a escola de dança Sigma exibia sua coreografia, também com grandiosidade.
Quando o espetáculo O Quebra Nozes chegou ao fim, no anfiteatro Guilherme R. Ferraz, o Guilhermão da Unesp, os dançarinos abriram espaço para que melhor pudéssemos observar o grupo ao fundo. E foi nesse momento — indiscutivelmente — que surgiram os aplausos mais fortes e empolgados da plateia. Muitos ficariam ainda mais surpresos caso conhecessem os desafios da Orquestra Sinfônica Municipal de Bauru e a persistência e dedicação com que os tem enfrentado.
Reportagem produzida para a disciplina de Técnica Redacional II — Impresso, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp, campus de Bauru, ministrada pela Prof.ª Dra. Vivianne Lindsay Cardoso.