Como violência e invisibilidade impactam cidadãs trans em Bauru

Segundo pesquisadora, discriminação ocorre em todo lugar, mas perspectiva de apoio e mobilidade social para população trans é ainda menor em cidades do interior

Desirrê Barros de Oliveira tem 26 anos e vem de São Paulo, região do grande ABC. Se mudou para Bauru (SP) há pouco mais de um ano à procura de emprego, na tentativa de reconciliação com o então ex-esposo e pela relação com a família não ir bem.

O pai se incomodava com sua feminilidade desde a infância e na escola ouvia os termos mais chulos e preconceituosos. Aos 15, começou a se identificar como um garoto gay afeminado e sabia que na visão da mãe ser travesti seria o declínio.

Em uma rede de lojas em que trabalhava, foi orientada a não participar de uma reunião entre equipes para não causar vergonha. Em outra experiência profissional, foi impedida de usar roupas femininas: “Me disseram que alguns clientes poderiam não saber lidar com isso”, afirma Desirrê. Perdeu um emprego sob o pretexto de não atender mais às expectativas da empresa.

Com anos de experiência em atendimento e vendas, Desirrê iniciou a procura por trabalho em Bauru pelo comércio, sem sucesso. Conquistou então uma vaga em um call center, onde segundo ela recebe o apoio de colegas e líderes e foi mais bem recebida do que em empregos em São Paulo. “O pronome feminino e meu nome social, mesmo ainda não estando retificado no RG, é o que uso lá dentro. Para mim isso é fantástico, ter esse apoio é importantíssimo. Ser reconhecida pelo que realmente sou, não tem preço”, conta.

Como travesti, Desirrê explica que a passabilidade – leitura da sociedade sob a qual a pessoa trans aparenta, “se passa” por, uma pessoa cis – é menor. Por isso, apesar do que tem conquistado em Bauru, ela diz enfrentar bem mais barreiras em comparação à quando se expressava com um homem gay, em São Paulo.

Em Bauru, o preconceito é mais velado

No trabalho e em outros ambientes, Desirrê teme usar o banheiro feminino e opta pelo destinado a pessoas com deficiência – de preferência com uma amiga vigiando do lado de fora – ou simplesmente não vai. “Ainda tenho receio de passar pela situação de uma mulher se incomodar. Já vi muitas situações em que travestis foram impedidas de utilizar o banheiro e é vergonhoso”, aponta. Desirrê cita as radfems, grupo que fomenta a associação entre a comunidade trans e o risco de violência sexual contra mulheres cis nesses locais – ainda que 80% de toda violência contra a mulher no país seja praticada pelo parceiro ou ex-parceiro, segundo a pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado (FPA/Sesc, 2010).

Mesmo vestida com roupas femininas, por vezes Desirrê é chamada por pronomes masculinos: “Parece ser necessário andarmos com uma plaquinha escrito Eu sou travesti e meu pronome é feminino”, lamenta. Ela observa que é ainda mais desafiador para travestis pretas ou com mais traços masculinos e que, apesar de o preconceito existir em todos os cantos, em Bauru ocorre de maneira mais velada.

Em São Paulo, lembra de ouvir uma chuva de palavras horríveis, receber ameaças e sentir sua vida em risco. Aqui, “as pessoas olham torto, te julgam, mas não se expõem, pois o risco de haver notoriedade no âmbito social é maior”, comenta. Infelizmente, isso não a poupou de ser vítima de xingamentos e assédio sexual nas ruas bauruenses.

“Muitas se suicidam por não aguentarem o nível de marginalização e sexualização”

Desirrê avalia o motivo do ódio à população trans e lembra de Roberta Silva, queimada viva por um adolescente de 17 anos em Pernambuco, em junho deste ano. “Só porque ela não é o que é ensinado, não é o que esperam que ela seja?” questiona. Com 40% do corpo queimado, Roberta morreu após 15 dias, durante os quais teve dois braços amputados, um quadro de necrose progressiva e falência respiratória e renal.

“E as mais assassinadas são as que vivem nas favelas, pretas, pobres, que são também as mais procuradas por homens héteros, cis, brancos, que buscam os nossos corpos para satisfazerem os seus desejos mais esdrúxulos”, diz Desirrê. “Muitas se suicidam por não aguentarem o nível de marginalização e sexualização”, reforça.

Um monitoramento feito pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) entre 2013 e 2014 constatou que 80% das mulheres trans assassinadas nas Américas tinham 35 anos de idade ou menos. Só no primeiro semestre de 2021, foram 80 assassinatos de pessoas trans no Brasil. O número de suicídios também chama atenção: 23 transgêneres tiraram suas vidas no ano passado, 16 travestis ou mulheres trans, segundo aponta o Dossiê Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras 2020. Estima-se que o volume de crimes seja significativamente maior que os contabilizados de maneira voluntária por órgãos como a Antra e a CIDH.

“Uma pessoa trans morre porque existe”

Alice Trilikoviski Bessa, 21 anos, fala da importância de não relativizar essas mortes e de serem feitos estudos sobre as motivações: “Por ter nascido João e decidir ser Maria. Por andar de mãos dadas com o namorado ou namorada. Uma pessoa trans morre porque ela existe, porque nasceu assim”, diz Alice.

A jovem já viveu em São Paulo, mas antes de se mudar para Bauru, há 8 meses, morava em Botucatu (SP) com a mãe. Lá, distribuía currículos, mas só conseguia bicos em um salão de beleza. O dilema começava antes mesmo da entrega do CV, quando na elaboração do documento ficava indecisa sobre como se designar, “mulher” ou “mulher trans”: “Não sei o que as pessoas estão preparadas para receber. Temos que especificar algo que poderia ser muito simples: mulher. Não precisam saber mais do que isso”, afirma Alice.

“No interior, o preconceito é passivo-agressivo”

Nas lojas e restaurantes que visitava à procura de uma oportunidade, frequentemente era recebida com desaprovação. Não foi chamada sequer para uma entrevista. “Eu e minha amiga, também uma garota trans, fomos super empolgadas entregar currículo e quando chegamos nos olharam torto, um olhar escrachado de ‘por que vocês estão entregando currículo aqui?'”, conta sobre experiência em unidade de uma rede de hamburguerias.

Ainda em Botucatu, Alice participou de um processo seletivo online para uma vaga de operadora de telemarketing em Bauru. Foi aprovada e rapidamente se mudou, seu primeiro emprego com registro. “São os únicos lugares onde permitem que uma mulher trans esteja: área da beleza ou onde não veem meu rosto, não sabem nada sobre mim, fora isso é impossível”, revela.

Assim como Desirrê, Alice acredita que o preconceito se manifesta de maneiras diferentes em Bauru e em megalópoles como São Paulo: “No interior, há mais a questão da invisibilidade. Ao invés de quebrarem uma lâmpada na sua cabeça, apenas não te dão emprego, se recusam a te chamar pelo seu nome. É um preconceito passivo-agressivo”, declara.

“Na capital há mais possibilidade de apoio social”

Jaqueline Gomes de Jesus, Presidenta da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH), explica que historicamente no Brasil a comunidade trans migrou para as capitais em busca de oportunidades: “No Rio de Janeiro no começo do século 20, por exemplo, vemos um fluxo da população LGBT de diferentes lugares do Brasil, e virão figuras que são bem conhecidas hoje, como a Madame Satã”, explica.

Segundo a pesquisadora, esses indivíduos encontravam nas grandes cidades mais chances “de se agremiarem, de se encontrarem com outras pessoas trans, LGBTs ou uma comunidade mais aberta”, além de uma vivência mais livre da sua identidade.

Jaqueline de Jesus, também professora de Psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro, afirma que apesar de a discriminação e a exclusão ocorrerem em todos os lugares, a mobilidade social é mais reduzida para cidadãs trans no interior: “Na capital há mais possibilidade de apoio social e estratégias de fuga e sustentação, por mais complexo que seja”, salienta. Ainda segundo Jaqueline, as cidades do interior “são em geral os lugares em que a população trans, já estigmatizada, tem mais dificuldade de se movimentar”, aponta.

“Temos que aprender como vamos viver”

Ainda em São Paulo, Alice iniciou o processo de transição, que inclui a ingestão de hormônios e o acompanhamento com endocrinologistas, psicólogos e outros especialistas. Logo que chegou a Bauru, soube da inauguração do Ambulatório de Assistência à Saúde de Pacientes Travestis e Transexuais e ficou muito feliz pela possibilidade de continuar o tratamento, mas o entusiasmo diminuiu.

Os acompanhamentos psicológicos são feitos em grupo pois ainda não há profissionais suficientes para atendimento individual. Os remédios foram disponibilizados recentemente e Alice acredita que as doses administradas são baixas, segundo ela como medida cautelar pois o conhecimento sobre o tratamento ainda estaria sendo sendo aprimorado na unidade.

Soma-se a possibilidade de que os serviços sejam interrompidos a qualquer momento por falta de verba, conta Alice: “Automaticamente ficaria sem tomar os hormônios pois não tenho como comprar sozinha e é preciso ter receita”, lamenta. Segundo ela, a hormonioterapia tem efeitos colaterais que demandam cuidados contínuos.

Alice diz perceber nas profissionais do ambulatório grande disposição e empenho em atender e se desenvolver quanto à população e saúde trans junto às e aos pacientes. Porém, ela chama atenção ao fato de que não há tempo para ensinar: “Nós também temos que aprender como vamos viver e cuidar da nossa saúde”, observa.

Em nota, a Prefeitura de Bauru informou que “as dosagens respeitam os protocolos e referências internacionais mais recentes sobre o cuidado às pessoas trans”, bem como os níveis hormonais, resultados de exames, históricos e fatores de risco de cada paciente.

A pasta declarou também que toda a gama de serviços de assistência médica, psicológica e social oferecidos pelo local são custeados com recursos próprios do município. Contudo, em maio de 2021 foi solicitado o credenciamento do ambulatório junto ao Departamento Regional de Saúde (DRSVI), visando obter fundos para garantir a manutenção dos trabalhos da unidade e a ampliação dos atendimentos ofertados.

Alice comenta a importância de abranger o atendimento público à saúde trans: “Seria legal poder chegar em qualquer postinho à procura de hormonioterapia e ter um médico que sabe tratar isso, e não um ambulatório único na cidade”, propõe. Mesmo em uma consulta particular paga, uma endocrinologista procurada por Alice em Bauru disse não conhecer o assunto: “Por que não ensinam isso na faculdade ou não há pelo menos uma aula base? É necessário capacitação para atender a gente”, diz.

“Sem pessoas que se identificam com nossa causa, não suportamos tudo isso”

Desirrê também frequenta o Ambulatório de Assistência à Saúde de Pacientes Travestis e Transexuais de Bauru. Por sua vez, ela relata ter sido bem acolhida e que o atendimento é humanizado, além de mais ágil do que na capital. “Ouço relatos de meninas trans e travestis que são tratadas de forma completamente baixa em outros lugares. Aqui, toda equipe é fantástica”, conta.

Durante a implementação dos serviços, o time multidisciplinar realizou capacitação em serviços já existentes, incluindo visita in loco na cidade de São José do Rio Preto (SP). “A equipe está sempre em busca de atualizações frente às demandas apresentadas”, declarou também a Prefeitura de Bauru. A unidade já soma mais de 80 pessoas atendidas, entre homens e mulheres trans de Bauru.

Desirrê indica oportunidades de melhoria nos serviços oferecidos em Bauru, mas diz observar na cidade um forte engajamento na luta por direitos e saúde da população trans, mais expressivo do que notava na região do grande ABC paulista, onde morava. Ela ressalta a importância da atenção à comunidade LGBTQIA+, que sofre com o descaso em tantos lugares. “Se não encontrarmos pessoas que realmente se identificam com nossa causa, não suportamos tudo isso”, confessa.

“Tinha medo de não ser aceita como uma pessoa trans”

Em Bauru há 2 anos, Eduarda Furtado Magdaleno, 20, veio de Marília (SP) aprovada no vestibular para Matemática. Morou os primeiros 8 meses com o irmão, a madrasta e o pai, que a expulsou de casa depois de descolorir mechas do cabelo: “Nunca me dei muito bem com ele desde criança em razão da feminilidade”, lembra.

Para se manter em Bauru e continuar os estudos, a mãe se dispôs a ajudá-la. Com a chegada da pandemia, Eduarda decidiu trancar o curso e procurar emprego para complementar a ajuda financeira enviada pela mãe. No primeiro semestre de 2021, conquistou uma vaga na recepção da Maternidade Santa Isabel.

Durante os poucos meses em que ficou no hospital, Eduarda relata ter presenciado falta de preparo de colegas de trabalho no atendimento a pessoas não binárias: “Notei que nunca havia algo preenchido no campo de nome social. Quando surgia um homem trans, por exemplo, se designando como o pai de uma criança, colocavam outro parentesco no feminino, como uma prima”, relembra.

“Fingiram que não havia alguém ali precisando de auxílio”

Eduarda havia se apresentado para a vaga na Maternidade Santa Isabel como homem cis, o que a limitava de expressar sua transexualidade: “Tinha medo de não ser aceita como uma pessoa trans e precisava muito do emprego para ajudar minha mãe de alguma forma”, revela.

Em uma das ocasiões, Eduarda ouviu de uma colega de trabalho as perguntas “O que era aquilo? Por que uma mulher se veste de homem?” ao se referir a um homem trans: “Fingiram que não era o pai, que não havia alguém ali precisando de auxílio”, conta.

A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES), responsável pela Maternidade Santa Isabel, declarou que o sistema usado nacionalmente para registro de paternidade dos Nascidos Vivos é elaborado pelo Ministério da Saúde e não possui campos para inclusão de nome social. Já o sistema da maternidade, usado para cadastrar pacientes, apresenta campos de autodeclaração e para inclusão de nome social. Vale lembrar que não basta haver esses campos, é preciso que sejam utilizados devidamente.

A SES informou ainda que a Maternidade Santa Isabel repudia qualquer ato discriminatório, preza pelo devido acolhimento a todos os seus pacientes, mantém projetos de capacitação específicos para atendimento a transsexuais e que “todos os colaboradores são treinados e orientados com foco no atendimento humanizado, ético e acolhedor para assistência igualitária”.

Ainda na Maternidade, Eduarda passou a procurar por outro emprego onde pudesse ser quem realmente é. Quando encontrou, pediu desligamento do hospital, mas foi demitida da nova contratação pouco tempo depois.

“Pequenas atitudes chegam a uma agressão e depois a uma morte”

O tom de resposta nas procuras por vaga já indica a Eduarda que deve partir para outras tentativas: “Não dá para perder tempo, qualquer pessoa pega nosso lugar mesmo sendo menos qualificada”, revela. Assim como relatado por Alice, ela não sabe ao certo como se designar no currículo: “Se coloco mulher trans, ignoram na hora. Se coloco mulher, me chamam para a entrevista, mas assim que me veem, também ignoram”, aponta.

Eduarda nunca presenciou casos de agressão física contra transgêneros em Bauru, mas percebe nas pessoas comportamentos intimidadores: “São pequenas atitudes que acumulam e chegam a uma agressão e depois a uma morte”, diz. Ela conta já ter sofrido agressões verbais e por isso se sente insegura em usar um vestido ou andar de mãos dadas com o namorado em público.

Eduarda, Desirrê e Alice são unânimes ao confessarem a preocupação de sair de casa sem saber se voltarão ilesas, ou se voltarão.

Desrespeito e falta de acolhimento desencorajam busca por saúde e justiça

Os dados da violência contra LGBTQIA+ no Brasil não são precisos. Especificamente sobre a comunidade trans, a Antra faz levantamentos anuais de maneira quantitativa a partir de notícias, veiculadas na mídia e por instituições, sobre transfeminicídios ocorridos em território nacional. Porém, é comum que delegacias, veículos jornalísticos e até a família não respeitem ou considerem a identidade de gênero da vítima, segundo aponta o último relatório da Antra.

​Mesmo com o direito à retificação em registro do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais determinado pelo Supremo Tribunal Federal em 2016, há órgãos públicos como delegacias e hospitais que ainda não apresentam marcadores de orientação sexual e/ou identidade de gênero em seus formulários. Soma-se a isso o desrespeito e a falta de acolhimento a pessoas trans nesses espaços, que as desencoraja a registrar boletins de ocorrência e a procurar assistência à saúde em casos de violência.

​O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública há 15 anos, nas duas últimas edições passou a incluir números de crimes contra LGTBQIA+, mas com lacunas: 15 estados em 2020 e 7 em 2021 não cederam os dados necessários para o levantamento.

​Principal pesquisa sobre a população brasileira e realizada novamente em 2021, o IBGE não atendeu a mobilizações para inclusão de tópicos relacionados a orientação sexual e identidade de gênero em seu questionário. Por mais 10 anos, não haverá indicadores como renda, raça, formação familiar, educação, trabalho e mortalidade sobre a população LGBTQIA+, inviabilizando a criação de políticas públicas nacionais, estaduais e municipais, bem como investimentos da iniciativa privada adequadas a essa comunidade.

“Saber como tratar uma pessoa com respeito é o mínimo”

​A invisibilidade expressa pela falta de informações sobre LGBTQIA+ e especificamente pessoas trans – além do desinteresse do poder público em reunir esses dados – impacta a vida dessa parcela da população todos os dias.

​“Estamos aqui, mas as pessoas ignoram o fato. Às vezes dizem nos aceitar, mas nos colocam num cantinho e jogam algo por cima”, esclarece Alice, que sugere à sociedade buscar informações ao invés de apenas trazerem dúvidas a indivíduos trans: “Você faz uma pergunta e a pessoa pode se magoar, ser grossa, e você a vê como um monstro, mas é só alguém que sofreu muito a vida inteira”, explica. “Saber como tratar uma pessoa com respeito é o mínimo, não temos que ensinar isso”, lembra Alice.

Eduarda diz haver uma linha tênue na discriminação: se por um lado são recorrentemente ignoradas, por outro, quando são vistas, incomodam: “O poder de ser invisível, temos esse poder, somos x-men”, ela brinca. Segundo a Antra, travestis e mulheres trans em sua maioria vivem em condições de miséria e exclusão social e sem acesso à educação, saúde, qualificação profissional e ao mercado de trabalho formal; 87,3% têm como principal demanda o direito a emprego e renda.

Desirrê aponta que viver no brasil é lutar por essas garantias todos os dias. “Temos que levantar a voz com uma mão em nossa garganta gritando por justiça, pedimos por socorro enquanto somos atacadas”, diz. Ela reforça que não há perspectiva quando suas lutas e esforços não são percebidos e que a invisibilidade destrói vidas de inúmeras formas: “Nos matando, causando nosso suicídio, nos impedindo de frequentar lugares ou termos um relacionamento”, diz.

Ser ​travesti é um ato político

Quando fala da subjetividade envolvida na identificação de uma pessoa como travesti ou mulher trans, Desirrê pergunta: “Qual o primeiro pensamento que vem à mente quando ouve a palavra travesti?”. Segundo ela, o termo foi historicamente associado à propagação de ISTs, destruição da família tradicional, aberrações ou homens travestidos de mulheres. Hoje, luta-se para ressignificar a expressão, despindo-a de estigmas e tornando-a alimento de força, resistência, equidade e visibilidade. Portanto, segundo ela, se identificar como travesti é um ato político.

Disposta a se tornar uma porta voz da causa trans e travesti em Bauru, Desirrê aponta que não basta que as instituições criem leis e propostas de promoção de cidadania para a população trans e não aplicar, fiscalizar e aprimorar. Ainda segundo ela, a comunidade trans possui escritoras, historiadoras, coordenadoras de grandes projetos, que administram e estão alcançando muitas coisas: “Temos que passar a enxergar as outras identidades de gênero e orientações sexuais, quebrar essa janela e tentar entender, se permitir ver a experiência de vida dessas pessoas”, propõe.

Antes de compreender e expressar sua identidade, Desirrê não tinha uma referência de travesti que não fosse marginalizada, agredida e ameaçada. Hoje, esclarecida e inequívoca, as pessoas a perguntam como vivencia sua realidade: “Quando você imerge naquele mundo, passa a entender realmente como as coisas funcionam. Quando está dentro de uma situação, só você entende o porquê consegue viver mediante aquilo”, responde.


Serviço

O Ambulatório de Assistência à Saúde de Pacientes Travestis e Transexuais funciona de segunda a sexta, das 13h às 17h, e está localizado na rua Quinze de Novembro, nº 3-36 – Centro, Bauru (SP). Os agendamentos podem ser feitos pelo número 14 3234-2576.

A Maternidade Santa Isabel dispõe de canais oficiais para acolher dúvidas, queixas ou sugestões de usuários e funcionários. O registro pode ser feito presencialmente na unidade, pelos e-mails [email protected], [email protected] ou pelo site msi.famesp.org.br.