Lei de Consideração Urgente foi carro-chefe da campanha eleitoral do atual presidente e atinge em cheio mais pobres, educação e direito a mobilização no Uruguai
Neste domingo (27), os uruguaios vão às urnas votar o referendo sobre a revogação de pontos da Lei de Consideração Urgente (LUC) instituída pelo atual presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou.
Aprovada em 8 de julho de 2020 com prazos reduzidos — por isso o rótulo de “urgente — a LUC contém 476 artigos relacionados a segurança, educação, trabalho, economia, saúde e meio ambiente, dos quais se pretende revogar 135.

Serão utilizadas cédulas rosas para o “SIM”, por cidadãos que concordam com a anulação, e azul para aqueles que “NÃO” desejam modificar os artigos.
A LUC, que atinge sobretudo as camadas mais pobres do Uruguai, foi o carro-chefe da campanha eleitoral de Lacalle Pou, candidato conservador, neoliberal e de direita, eleito em 2019 após 15 anos de governos de esquerda no país.
Desde que entrou em vigor, setores progressistas contrários ao regime iniciaram uma intensa mobilização. A central sindical Plenário Intersindical de Trabalhadores — Convenção Nacional dos Trabalhadores (PIT-CNT), a Federação dos Estudantes (FEUU), a Federação das Cooperativas de Habitação (FUCVAN), a Intersocial Feminista e o partido de oposição de esquerda que governou o país de 2005 a 2020, da Frente Ampla, se uniram pela revogação.
Para convocar o referendo, eram necessárias ao menos 700 mil assinaturas, que foram colhidas ao longo de alguns meses por organizações sociais membros da Comissão Pró-Referendo. A coleta deveria ser feita até 9 de julho do ano passado, quando foram totalizadas 800 mil rubricas, 100 mil a mais que o mínimo exigido.
Já no último 8 de dezembro, o Tribunal Eleitoral fez a contagem de assinaturas, dentre as quais deveria haver pelo menos 25% dos eleitores do país, o equivalente a 671.544 cidadãos. Ao todo, foram contabilizados 671.631 uruguaios aptos, e a Justiça Eleitoral definiu a data e as normas do referendo.
Desde o ano passado, líderes da oposição organizaram manifestos contra a LUC de Lacalle Pou e outras de suas políticas econômicas e sociais, como no último mês de setembro.
Há poucas semanas, em 7 de março, centenas de simpatizantes da Frente Ampla e a favor da revogação dos 135 artigos correram uma maratona em Montevidéu, vestidos com camisetas rosas, a cor do “SIM”.
Projeto Neoliberal
A Lei de Consideração de Urgente de Luis Lacalle Pou foi amplamente criticada por setores da oposição, sindicatos e organizações sociais e de direitos humanos. Desde 1985, quando foi restaurada a democracia uruguaia, apenas 13 projetos como esse, de caráter urgente, foram encaminhados ao Legislativo: 9 aprovados e 4 rejeitados. Entre os pontos mais questionados, então:
- Flexibilização do uso da força policial;
- Avanço na regulamentação do direito de greve e declaração como ilegítimos os piquetes realizados em espaços públicos ou privados, com o consequente poder de dissolvê-los;
- Extensão do conceito de legítima defesa a um bem material;
- Extensão de 2 a 4 horas ao prazo que a Polícia tem para informar o Ministério Público da prisão de uma pessoa;
- Conceção à polícia e aos militares o poder de revistar pessoas e carros em procedimentos “preventivos de rotina” e
- Eliminação da obrigatoriedade da educação formal na primeira infância e redução do papel dos diretores-gerais dos Conselhos de Educação.
A Constituição uruguaia garante aos cidadãos a possibilidade de anular leis por meio de referendo como o que ocorre neste domingo. No entanto, há um forte movimento para enfraquecer o movimento contra a LUC, no aparentemente simples, mas significativo gesto de escolher as cores das cédulas.

O “NÃO”, contrário à revogação dos artigos, leva o azul-celeste, usado pela equipe nacional de futebol, portanto um tom simbólico para os uruguaios devido à grande importância que o esporte tem no país.
Até o momento, as pesquisas estão equilibradas, mostrando que, além dos votos “SIM”, há um importante trabalho de converter indecisos, ou os votos em “branco”, que poderão ser determinantes para a não revogação.
Caso o “NÃO” saia com a vitória, Lacalle Pou deve continuar a aplicar medidas desfavoráveis à população mais vulnerável e à classe trabalhadora. Caso a oposição conquiste a maioria dos votos, o mesmo deve acontecer, mas com propostas retiradas ou reduzidas, o projeto neoliberal sai enfraquecido.
* Com informações de A Terra é Redonda, Resumen Latinoamericano, Página | 12, Prensa Latina e Brasil de Fato
** Texto publicado originalmente em Diálogos do Sul Global.