“Quanto mais longe o veículo está do acontecimento, mais perto da imparcialidade ele chega”, afirma o cientista político Alexandre Tarasinsky
Em outubro, o Brasil deverá escolher, democraticamente, um novo presidente para liderar o país pelos próximos quatro anos. Concorrem também nomes para os cargos de governador, senador, deputado federal e deputado estadual. Ainda que um ano de eleições, por si só, marque significativamente toda a dinâmica de uma nação, em 2018 o panorama é ímpar – na mais sucinta das definições.

Os marcantes acontecimentos na esfera política nacional – o impeachment de Dilma Rousseff, as reformas de Michel Temer, os quatro anos da Operação Lava-Jato e os inúmeros escândalos de corrupção – reacenderam nos brasileiros interesse e preocupação quanto ao assunto, criaram posicionamentos polarizados, reforçaram contrastes entre direita e esquerda e fizeram surgir ícones e ‘mitos’. A discussão, agora, se dirige aos possíveis e incertos cenários que serão estabelecidos em 15 de agosto – data em que os partidos registram seus candidatos na Justiça Eleitoral. Mais do que perguntar quem vencerá essas eleições, questiona-se: quais nomes estarão elegíveis em 7 de outubro?
Esse complexo debate tem chamado a atenção de veículos internacionais relevantes e sido tema de importantes discussões, como o Brazil Forum UK. A conferência anual organizada por estudantes brasileiros no Reino Unido oferece, desde 2016, um espaço de discussão e reflexão sobre o Brasil e, neste ano, teve como tema “Break[ing] Down The Constitution”, em comemoração aos 30 anos da Constituição Federal de 1988. Estiveram presentes figuras importantes como a ex-presidenta Dilma Rousseff, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, a pré-candidata à presidência Marina Silva (Rede) e o médico Drauzio Varella.
Prisão de Lula beneficia extrema direita
Em 5 de maio, primeiro dos dois dias da conferência, Dilma Rousseff palestrou na Escola de Economia e Ciência Política de Londres. Diante da condenação em segunda instância e prisão do ex-presidente Lula em 7 de abril, a ex-chefe de estado reiterou que o PT não possui um plano B que o manterá como candidato nessa eleição. Segundo Rousseff, Lula é inocente e por isso não há motivos para retirá-lo do pleito. Ela ainda declarou que não o nomear como candidato enfraqueceria o partido. Sem Lula, o PT não possui chances em 2018. De acordo com o levantamento CNT/MDA de 14 de maio, 49,9% dos entrevistados não acreditam que ele concorrerá as eleições.
A prisão de Lula também serviu de base para periódicos pelo mundo traçarem perspectivas sobre as eleições brasileiras. Foi o caso do site russo Sputnik, que em matéria do dia 6 de abril declara a sentença como uma suspeita de impedir que um candidato “com grande popularidade concorra às eleições presidenciais de outubro”, mas que a última decisão cabe ao Tribunal Superior Eleitoral.
O The Washington Post publicou, no dia 5 de abril, um texto detalhado mostrando que com a retirada do “favorito na eleição”, Jair Messias Bolsonaro (PSL) é o nome com maiores de chances de vencer a disputa. Segundo o estudo CNT/MDA, Bolsonaro lidera em todos os cenários sem Lula, com 18,3% a 20,7% das intenções de voto dependendo do adversário. O periódico norte-americano também explicou que não há garantias de que os votos de Lula migrariam para algum substituto, sendo mais provável a distribuição entre os candidatos Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT). O jornal traz ainda uma breve descrição sobre a polêmica campanha de Bolsonaro, caracterizando-a pelo apoio à ditadura.
“Democracia do Brasil em perigo”
Outros portais de notícias como a agência americana Associated Press, a alemã Deutsche Welle, o jornal francês L’Humanité e o belga RTBF, também apresentaram comentários sobre as possibilidades para outubro, citando a continuidade de Lula como candidato pelo PT e reforçando que a última decisão cabe ao TSE. No dia 8 de abril, o estadunidense The Guardian, entre outras informações, descreve que, segundo as pesquisas, Bolsonaro não venceria candidatos da esquerda ou direita em um segundo turno. Segundo o diagnóstico CNT/MDA, o aspirante do PSL teria empate técnico com Marina Silva e Ciro Gomes.
O líder da esquerda radical francesa Jean-Luc Mélenchon acusou a “oligarquia do Brasil e os EUA de perpetrarem um golpe judicial para evitar o retorno de Lula ao poder”. A declaração foi noticiada por jornais como o Le Figaro, em 8 de abril. Em 17 de maio, o também francês Le Monde publicou um texto de Lula em que descreve seu mandato, as acusações das quais tem sido alvo e reafirma a candidatura. 40,8% dos mais de 2 mil entrevistados pela CNT/MDA acreditam que Lula participará da corrida presidencial.
O jornal mais influente dos Estados Unidos também tem dedicado vasto espaço às conjecturas sobre a situação brasileira. Em janeiro, quando Lula foi condenado em segunda instância a nove anos de prisão pelo caso do triplex, o The New York Times exibiu um artigo de opinião do pesquisador mexicano Hernán Gómez Bruera que elogiava o combate à corrupção, mas via na sentença “o objetivo [de] acabar com o mito de um líder que fortaleceu os setores populares, desferir um golpe mortal na esquerda brasileira e promover uma agenda econômica, política e social conservadora”.
Em 8 de abril, a versão impressa do veículo reportava ainda a rendição de Lula em Curitiba, as acusações que tem acumulado, suas políticas sociais e as possibilidades envolvendo Marina Silva, Ciro Gomes e Bolsonaro. Quatro dias depois, o editorial do The New York Times analisava novamente o cenário político brasileiro com o ressonante título “Lula está preso, e a democracia do Brasil, em perigo”. A Veja publicou uma crítica ao texto, atribuindo ao veículo um transtorno bipolar.
“Precisamos de entidades maiores intervindo nesse processo”
Para o cientista político Alexandre Tarasinsky, o olhar internacional tem seus fatores positivos e negativos: “Quanto mais longe o veículo está do acontecimento, mais perto da imparcialidade ele chega. O veículo não vive aquela realidade e assim consegue ir direto ao que está acontecendo. Porém, o distanciamento do fato também impede que se consiga ter profundidade”. E completa: “A maioria dos veículos internacionais tem se posicionado reconhecendo que a democracia brasileira sofreu um golpe político. Mas a mídia sozinha não consegue ação. Precisamos de entidades maiores intervindo nesse processo”.
Beneficiado por divulgação gratuita, considerando as frequentes manchetes que ocupa por suas declarações, Jair Bolsonaro também tem ganhado espaço em veículos internacionais. Em 19 de abril, o The Guardian o descreveu como “o Trump dos trópicos”, traçando um paralelo entre ele e Donald Trump, cujas táticas de divulgação de ideais têm se mostrado semelhantes. O artigo caracteriza o deputado como machista, homofóbico, racista e ressalta marcas de incitação ao estupro e violência xenofóbica em seus discursos.
“A figura de Bolsonaro é extremamente importante nesse cenário eleitoral porque ele vai levantar questões que são tabus na sociedade, como o combate à violência e o feminismo. Ele obrigará as pessoas a se posicionarem e será a hora de caírem as máscaras. Tanto entre os políticos quanto entre a população em geral”, ressalta Tarasinsky sobre o papel do deputado em 2018.
“Buscamos um pai que resolverá nossos problemas”
A agência de notícias Reuters, em 17 de maio, se dedicou a descrever o candidato por algumas de suas frases a respeito de mulheres, gays, negros e indígenas, ressaltando que mesmo controversas, “não apagaram sua liderança nas eleições”. Antes dela, mais precisamente em 15 de março, o The Washington Post analisava o crescimento de um Bolsonaro com registro limpo, mas perigoso para a democracia do Brasil, considerando seu apreço pela ditadura militar e elogios dirigidos a torturadores da época. O jornal elucida também que os jovens – maior parcela entre as intenções de voto – veem no elegível uma solução para o problema da corrupção no país; os mais velhos alimentam esperança de retorno dos valores tradicionais.
Alexandre Tarasinsky, também professor de História, descreve um sintoma crônico do nosso país: “Nossa sociedade é extremamente paternalista. Nós buscamos a figura de um representante que seja como um pai que resolverá nossos problemas. Não por acaso temos políticos que falam justamente o que o povo quer ouvir em discursos inflamados de soluções fáceis como ‘bandido bom é bandido morto’. Nós queremos ser passivos nesse processo. ‘Eu voto e não faço mais nada, porque meu pai resolve; não acabo com a violência dentro da minha casa, na minha rua ou quando meu time perde no futebol; mas eu quero que um presidente acabe com a violência de um país’. Queremos acreditar que o simples digitar de dedos na urna eletrônica vai resolver todos os nossos problemas. E aí está o nosso grande problema”, finaliza.
Matéria produzida para a disciplina de Jornalismo Impresso I, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp, campus de Bauru, ministrada pela Prof.ª Dra. Liliane de Lucena Ito.